segunda-feira, janeiro 19, 2009

COMO NOS TORNÁMOS HUMANOS

por EUGÉNIA CUNHA
Esta pergunta recorrente que se coloca desde sempre vai buscar respostas a várias ciências e permanece um dos maiores desafios da antropologia e da biologia.

Leva-nos a uma inevitável e fascinante viagem ao nosso interior e no tempo porque o entendimento de onde viemos elucida também sobre para onde vamos. E no exercício de mergulhar no passado, há que recuar até há cerca de 7 milhões de anos para encontrar os mais prováveis candidatos a primeiros hominídeos.

Desde eles até ao presente, passamos por uma cadeia impressionante de antepassados, directos e indirectos, que vamos colocando na nossa árvore evolutiva, densamente ramificada mas da qual só conhecemos uma parte dos inquilinos.

As peças deste quebra-cabeças vão surgindo com as novas descobertas e com a reavaliação de outras. Cada uma dessas peças conta-nos uma história. Mas cada vez mais, não são só os fósseis que permitem reconstruir a nossa história natural.

O acesso ao nosso genoma e ao de alguns dos outros primatas levou-nos para uma nova era em que se procura identificar os genes e as alterações genéticas que nos tornaram únicos. A nossa singularidade remete-nos inevitavelmente para o órgão mais complexo do universo, o nosso cérebro.

Recentemente, foi sugerido que um determinado gene, o HAR1F, possa vir a ajudar a perceber porque somos os mais encefalizados de todos os primatas. Mas temos que reconhecer que somos muito mais do que genes. A velha máxima “somos aquilo que comemos” continua válida e o segredo do aumento do nosso cérebro, um autêntico devorador energético, parece ter sido contrabalançado por uma concomitante redução do aparelho gastrointestinal viabilizada por uma mudança na dieta.

A incorporação de mais carne na dieta terá facilitado o crescimento cerebral? A hipótese ETH- Expensive- tissue hypothesis é aqui cruzada com o aumento do período de gestação, com a prematuridade do recém-nascido humano e com o crescente investimento parental por parte dos humanos como uma explicação possível para o facto de o nosso cérebro ser três vezes maior do que aquilo que seria de esperar.

Mas este não é o nosso único traço distintivo. O bipedismo e a nossa linguagem têm sido cruciais para termos chegado onde hoje estamos. A chave está no cruzamento de todos estes traços distintivos, dos genes a eles subjacentes e na sua correcta contextualização ecológica. Sabendo que a evolução não é gratuita e que só quando os benefícios de uma dada mudança evolutiva superam os custos é que o processo avança, é um desafio destrinçar as cada vez mais peças chave deste intrincado ser que somos com a certeza de que muitas das questões só serão respondidas ao longo do próximo século, quiçá, no próximo grande aniversário de Darwin que, acredito, continuaria a dizer "Light will be thrown on the origin of man and history”.


Eugénia Cunha é Bióloga, doutorada em Ciências (especialidade Antropologia, 1994); é professora catedrática de Antropologia, do Departamento de Antropologia, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra desde 2003.

O Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, realizará no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian (Av. de Berna, 45 A, Lisboa, Portugal) a conferência – COMO NOS TORNÁMOS HUMANOS – que terá lugar no dia 21 de Janeiro, às 18h00, e será proferida pela Profª. EUGÉNIA CUNHA da Universidade de Coimbra.

Materia enviada por Rita Rebelo de Andrade
Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian
randrade@gulbenkian.pt









Um comentário:

Anônimo disse...

Acho um tema interessante...até porque nos pode dar um melhor comhecimento de como a partir de homens diferentes se chegou áquilo que somos hoje: Um animal que foi, de acordo com as necessidades e de uma forma natural, desenvolvendo a sua inteligência até aos nossos dias...
Seria também interessante saber como desapareceram os Neandertal que tiveram o seu ultimo reduto na nossa Peninsula Ibérica... Teriam desaparecido naturalmente??? Cruzaram-se com a raça que ficou??? Ou simplesmente foram Comidos???

Tambêm acho interessante comparar a teoria evolutiva com a Biblia do povo judeu e, ao olhar o paraiso, penso no homem como caçador recolector... Ao ler a historia de Caim e Abel penso no fim do periodo da caça com a destruição de algumas espécies e a necessidade do homem fazer canibalismo enquanto era obrigado, sempre por necessidade, na fase da agricultura.....